Especial

Quebrando o tabu, surgem as oportunidades

Por que a indústria de beleza precisa mudar o quanto antes a forma como ela encara a menopausa?

"O que quer uma mulher? É a pergunta feita desde que o mundo é mundo. Psicanalistas, poetas, médicos, filósofos, todos, em sua maioria homens, mas não só, pensadoras, feministas também, se dedicaram à questão. Para o psicanalista francês, Jacques Lacan, ‘A Mulher não existe’. Somos múltiplas, somos mais, não somos uma. Nada, nem ninguém nos define. A mulher menopáusica, ainda menos. Os hormônios dominam a cena. Muitas vezes não nos reconhecemos no que nos definia. As mudanças endógenas se misturam e se confundem com os novos conflitos. O envelhecimento do corpo que já não sangra, mas que procura responder às exigências de uma sociedade, por juventude e padrões inalcançáveis de beleza, faz sangrar metaforicamente a alma das mulheres na menopausa", diz Ale Cusma, psicóloga e editora da Revista Nouveautés.

O mercado de beleza não é inocente nesse contexto. São décadas vendendo às consumidoras alguns poucos padrões de beleza que deveriam ser almejados por todas e os produtos que, supostamente, as ajudariam a chegar minimamente perto de um daqueles standards. Para manter a juventude, também um padrão imposto ao longo de décadas, e "retardar" ou "apagar" os sinais e marcas do envelhecimento, mais uma miríade de cremes, séruns anti envelhecimento são lançados todos os anos.

Falar da menopausa na indústria da beleza, ainda é um tabu. A começar porque não se pode desatrelar-a do processo de envelhecimento e isso conflita com alguns dos códigos mais arraigados sobre as referências, sobre o ideal de beleza que os tomadores e tomadoras de decisão no mercado entendem ser o que deve ser atrelado às suas marcas. Isso faz com que mulheres mais velhas pouco sejam vistas na comunicação da indústria de beleza, ou que apareçam sempre num contexto de mostrar que o tempo pode parar ou que não pesou para aquela modelo que está divulgando o produto, reforçando ainda mais os padrões de beleza dissociados da realidade do mundo.

O mundo tem mudado bastante, felizmente, e a indústria da beleza, agora, precisa também ser parte do processo de mudança desse cenário. Uma primeira notícia positiva é que o tema está nas mesas de discussões, porque afinal, os países desenvolvidos vivem um processo de envelhecimento já faz algumas décadas e alguns países em desenvolvimento importantes, Brasil entre eles, começam a viver esse processo de ver o crescimento da sua população mais velha.

O reflexo imediato disso é que os padrões de consumo (e de beleza) para essa população, são diferentes, e que cada vez mais, essa população será mais relevante para o mercado. E no caso das mulheres, como já foi dito, não se pode ignorar os impactos da menopausa nesse processo de envelhecimento. "A menopausa é um processo biológico natural e deve ser tratada como tal, ao invés de uma deficiência hormonal", diz Daniel Coelho, coordenador de marketing da Evonik, fabricante de especialidades químicas. Cabe às empresas do setor se esforçar para conseguir identificar essa fatia da população e abrir bem os olhos e ouvidos para entender as diferentes realidades impostas à elas pela menopausa e pela sociedade, os desafios que surgem, como elas sentem os impactos desse processo na sua beleza e como isso reflete na sua autoestima e na sua saúde mental.

Uma das primeiras iniciativas que a indústria pode tomar é a de trabalhar para quebrar certos padrões que ela mesma ajudou a criar; e a promover debates e discussões mais amplas, trazendo para o jogo também outros aspectos, externos ao mundo dos produtos cosméticos, mas que também afetam a sua saúde e a sua beleza. É preciso reconhecer que isso, ainda que não com a intensidade desejada, começou a ser feito, em especial pelas grandes empresas do setor, que vão desempenhar um papel crucial na mudança de narrativas. "Isso inclui esquecer os antigos estereótipos e mensagens focadas na juventude para abraçar o amadurecimento biológico, em vez de tratar a menopausa como um tabu", afirma Coelho. "É importante que a indústria empodere as mulheres a se sentirem vistas e valorizadas independentemente da idade", corrobora Ana Albertini, gerente técnica da Sarfam, uma distribuidora de ativos e ingredientes para a indústria cosmética.

Uma pesquisa feita pela Vichy, marca de dermocosméticos da L’Oréal, mostra que até 2025, 1,2 bilhão de mulheres entrarão na menopausa no mundo. E mais da metade delas, 52%, ainda se sentem desamparadas por falta de informação e muitos preconceitos ao redor desse assunto. "A queda hormonal e o interrompimento da possibilidade de gravidez fazem com que a mulher seja colocada em um lugar de preconceito etário, como se perdesse o seu sentido genético e fosse o fim da juventude da mulher", afirma Belisa Avena, diretora da marca Vichy. A executiva acredita que o tema ainda é muito invisibilizado e com pouca rede de apoio para esse momento na vida da mulher. "Ao normalizar e trazer o holofote para o tema, conseguimos conectar mulheres reais para aumentar a rede de acolhimento e a construção de um novo território científico", afirma.

Vencer os preconceitos e tabus e estabelecer conversas para entender e atender de forma mais adequada a essa parcela da população será cada vez mais fundamental para as empresas do setor alcançarem seus números. De acordo com dados da CB Insights, estima-se que o mercado da menopausa nos Estados Unidos, incluindo todo o mercado de beleza e cuidados pessoais, atinja US$ 16 bilhões até 2025. Outra consultoria, a Grand View, estima que esse número chegue a US$ 24,4 bilhões até 2030.

Um bom exemplo do potencial dos produtos destinados a atender também a questões mais específicas vem da própria Vichy, com o lançamento, em abril de 2022, da nova linha Neovadiol. Segunda a diretora da marca, desde que chegou ao mercado, Neovadiol é a linha que mais cresceu em vendas e prescrição médica no mercado dermocosmético. "Hoje, somos top of mind no assunto ‘menopausa’ na cabeça dos médicos", comemora Belisa.

A marca foi além da apresentação de produtos, promovendo diversos debates em eventos, nas comunicações com influenciadores sobre como a empresa quebrou o tabu acerca da menopausa. "Criamos até uma plataforma digital com informações úteis sobre esse período da vida", explica a diretora da Vichy.

Fórmulas mais específicas

Para alcançar os bons resultados, a marca de dermocosméticos da L’Oréal precisou considerar os impactos da menopausa no corpo da mulher na hora de desenvolver as formulações. Segundo a empresa, a Vichy vem trabalhando há mais de 20 anos em estudos na busca por soluções eficientes para os efeitos da menopausa na pele. No caso de Neovadiol, os produtos foram desenvolvidos com ativos sustentáveis, como Pro-xylane, extrato de cássia, ácido hialurônico e ômega-3-6-9, que cuidam da pele afetada pelos efeitos do climatério e da menopausa. A linha é composta por sérum bifásico, creme nutritivo redensificador e creme leve com efeito lifting.

O desenvolvimento da L’Oréal, dando atenção aos impactos específicos da menopausa sobre a pele das mulheres, ainda é um exemplo raro em meio a um mar de produtos anti idade. Mas os bons números alcançados por ela podem levar o mercado a olhar de forma mais pragmática para essa questão. Para a gerente técnica da Sarfam, os decisores na indústria cosmética estão começando a compreender melhor as complexidades da menopausa, embora reconheça que há um longo caminho a percorrer para que essa compreensão se traduza em ações efetivas e suporte abrangente. "A menopausa não é um ‘nicho’ de mercado, ela afeta a metade da população em algum momento de suas vidas. É essencial que as marcas reconheçam e validem essa experiência, desenvolvendo produtos e comunicações que falem diretamente às necessidades únicas das mulheres nessa fase", diz a executiva, para quem existem marcas na vanguarda desse movimento, que se posicionam como aliadas das mulheres, oferecendo educação, apoio e produtos adaptados, mas que seria necessário um esforço coletivo maior para que a indústria como um todo pudesse fazer com que todas as mulheres se sintam representadas e apoiadas em cada etapa de suas vidas.

"67% das consumidoras, em uma pesquisa realizada pela Mintel, concordam com a frase ‘produtos que promovam a longevidade da pele são mais atraentes do que produtos antienvelhecimento’", aponta Maria Eugênia Ayres, gerente técnica da Biotec, distribuidora de ativos e ingredientes que atende ao mercado de farmácias de manipulação. Esse é um dos motivos, que na visão da gerente, tem levado o mercado a reconhecer a importância de atender às necessidades específicas das mulheres durante a menopausa e a desenvolver produtos e campanhas mais direcionados a esse grupo demográfico, abordando de forma sensível e positiva os desafios e preocupações associados a essa fase da vida.

Antes mesmo de chegar na indústria

Embora hoje o mercado olhe com mais atenção para os produtos de cuidados da pele quando o assunto é desenvolver uma formulação capaz de mitigar os impactos fisiológicos da menopausa, existem oportunidades em diversas categorias. "Desenvolver produtos para serem usados diariamente, como maquiagens, proteção solar ou cuidados para os cabelos que possam proporcionar esse cuidado especial para a fase de menopausa é uma oportunidade para a indústria", diz Ana. Mesmo na categoria de cuidados com a pele, o espaço para entregar algo melhor e mais efetivo é muito grande, dado que a maioria dos produtos que se propõe a lidar, de alguma forma, com os impactos da menopausa (uma oferta de produtos já bem limitada), o fazem por meio de benefícios genéricos em hidratação e produção de colágeno.

Por isso também que as empresas de ativos e ingredientes têm papel fundamental nesse processo de evolução, estabelecendo novos protocolos de testes para validação de benefícios relacionados à menopausa de ativos já existentes no mercado, além de trazer a questão para os seus pipelines de inovação e desenvolvimento de novos ativos. Maria Eugenia, da Biotec, explica que os fabricantes precisam fornecer evidências científicas que respaldam a eficácia de seus produtos em abordar as mudanças físicas que surgem na menopausa, o que pode incluir estudos clínicos, testes de laboratório e outras formas de evidência científica.

As questões regulatórias relacionadas à abordagem direta de temas de menopausa nos produtos cosméticos representam um desafio considerável ao mercado de beleza. "Em alguns casos, alegações indiretas relacionadas à menopausa podem ser permitidas, desde que sejam formuladas de maneira cuidadosa e não impliquem benefícios diretos que extrapolem o que é permitido para um produto cosmético", diz a gerente da Biotec. "Enquanto as marcas podem desenvolver produtos destinados a atender às necessidades da pele durante a menopausa, como secura e perda de elasticidade, elas devem ser cautelosas ao fazer alegações específicas que possam ser interpretadas como alegações médicas ou terapêuticas sem a devida autorização regulatória", emenda Ana, da Sarfam.

A Evonik, fabricante de especialidades químicas, estabeleceu o conceito ‘Beleza na Menopausa’, por meio do qual pretende trazer visibilidade e consciência a um grupo de mulheres cada vez mais significativo devido ao aumento da idade média da população mundial.

Com o crescimento da atenção do mercado nesse público, os estudos também acabam ganhando tração, gerando cada vez mais pesquisas com foco no entendimento maior dos efeitos na pele e nos cabelos das mulheres na menopausa e possíveis soluções para as suas necessidades. O executivo da Evonik diz que uma melhor compreensão da biologia da pele impulsiona o uso de ingredientes idênticos aos do corpo humano e com eficácia comprovada. "Como exemplos, podemos citar estudos sobre barreira da pele, síntese de colágeno, microbioma e suas interações com a saúde geral da pele", diz Coelho.

Enquanto na pele os principais impactos estão relacionados à perda de colágeno, flacidez, pele seca e sensível, além do surgimento de linhas finas e rugas, é comum o relato de enfraquecimento e afinamento dos fios, couro cabeludo sensível e mais ressecado. O executivo da Evonik acrescenta que a transição da cor natural para cabelos grisalhos também é um desafio nesta fase que, inclusive, vem ganhando o apoio e o incentivo de grandes marcas em suas campanhas. "Diante desse cenário, é cada vez mais comum consumidores buscarem produtos que cuidem da aparência e que tenham respaldo científico, promovendo efeitos benéficos de longa duração e de bem-estar", conclui.

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