Em agosto de 2020, ainda na primeira onda da pandemia de Covid-19, a Natura anunciou o investimento em uma startup de serviços, a Singu, cuja proposta era a de conectar consumidores a profissionais de beleza por meio de um aplicativo, nos moldes da Uber (o fundador da Singu, havia criado anos antes a Easy Taxi). A Natura apostava que a combinação com a startup poderia dar às suas consultoras de beleza uma nova oportunidade de geração de renda, permitindo que elas oferecessem serviços de maquiadora, cabeleireira, manicure, entre outros por meio do aplicativo. Naquele momento, a Singu contava com três mil profissionais de beleza cadastrados, e a Natura via potencial para agregar centenas de milhares de novos profissionais, com uma grande parcela de revendedoras da marca entre eles.
O investimento inicial não fez da Natura a controladora da operação, mas foi feito com a possibilidade de a empresa de venda direta assumir o controle da operação após alguns anos. E foi o que aconteceu. No ano passado, a Natura assumiu o controle da Singu e a repaginou. Em setembro deste ano, a plataforma foi reapresentada ao mercado com um novo nome, Bluma, e agora, sob o guarda-chuva da marca Natura. Nesse processo de repaginação, a proposta de ser uma ferramenta de geração de renda para as consultoras permanece de pé. A Natura também aportou mais elementos que são indissociáveis da marca para a sua plataforma de serviços, como o “bem estar bem”. Ao assinar como uma marca Natura, Bluma passa a trazer como propósito, tornar os momentos de autocuidado e bem-estar um compromisso possível na vida das pessoas, mesmo em meio a uma vida super corrida.
A aquisição da startup e sua conversão para Bluma foi feita já pensando em trazer melhorias para o seu modelo de negócios, ampliando a operação para um modelo omnichannel. Agora, além dos serviços via app, que opera neste momento nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte, a marca se faz presente em canais físicos, com unidades nos aeroportos de Congonhas (São Paulo), Confins (Belo Horizonte), Galeão e Santos Dumont (Rio de Janeiro). A empresa também aposta muito em canais alternativas, como a prestação de serviço dentro das empresas - seja com pontos de atendimento físico, ou por meio de vouchers e bonificação oferecida pelas companhias aos seus funcionários -, e também dentro de eventos, servindo como um momento de beleza e bem estar para os participantes de congressos ou espetáculos, por exemplo.
A oferta de serviço varia de canal para canal. No caso do aplicativo, as especialistas (como são chamadas as profissionais de beleza no app) oferecem diferentes serviços de escova, unhas, massagens, depilação, limpeza de pele e maquiagem com preços que variam, na cidade de São Paulo, entre R$ 50 e R$ 300. Nesse canal, a consumidora agenda o serviço desejado pelo app e a especialista vai até ela, a qualquer dia da semana, entre 7h e 22h. O app também oferece opções de assinatura e pacotes de serviço. Já nos aeroportos, o portfólio de serviços atual agrega lavagem e secagem dos cabelos (menos em Congonhas), mas não oferece serviços de maquiagem. Na frente do atendimento nas empresas, existe também a opção de corte e barba.
Para a Natura, ter a sua própria plataforma de serviços de beleza é uma forma de apoiar e participar de um mercado que é muito fragmentado, composto em sua esmagadora maioria por profissionais autônomos, e que movimenta, de acordo com estimativas da empresa, R$ 58 bilhões. Apesar de potencialmente poder servir como um elemento consolidador desse mercado, a Natura não vê Bluma exercendo esse papel. A empresa se vê, inclusive, como uma proposta complementar complementar aos próprios salões. “Muitas das nossas clientes ainda vão ao salão e usam a Bluma quando estão sem tempo para ir até o salão”, exemplifica Taissa Scriver, head de Marketing de Bluma.
Mesmo abrindo novas frentes para o crescimento da operação, a tese da sinergia entre a plataforma e as consultoras Natura segue muito forte. O número de consultoras de beleza que se identificam como profissionais de beleza, é muito representativo, de acordo com a executiva, o que abre espaço para expandir a Bluma por meio da adesão de mais consultoras à plataforma (uma das apostas originais do investimento). E junto com isso, vêm a possibilidade da Natura de gerar mais negócios e prosperidade para essas consultoras. “ Com Bluma, os profissionais ganham até três vezes mais do que no salão. (A entrada na plataforma) pode ser uma nova fonte de renda para as consultoras de beleza, que podem se qualificar e passarem a ser especialistas”, conta.
De acordo com Taissa, o repasse feito por Bluma aos profissionais de beleza é, na média, mais alto do que os repasses feitos pelos salões de beleza. No caso dos serviços contratados pelo app, o repasse é superior a 60%.
Contar com o histórico da operação da Singu, dá à Bluma muitos dados para entender de forma mais acurada como a banda toca. Neste ano, a plataforma superou a marca de um milhão de atendimentos realizados. Hoje, o perfil de usuário da plataforma é composto majoritariamente por mulheres, em especial no app, com grande concertação em São Paulo. É um público de renda mais elevada, das classes A/B+, na faixa etária de 25, 30 anos até 45 anos, a grande maioria. Taissa destaca que além do público corporativo, a plataforma atende a muitas mães que enfrentam rotinas corridas e não conseguem sair de casa para se cuidar.
A Natura está começando Bluma com cerca de 500 especialistas na sua rede, para atender as quatro praças. É um número pequeno, ainda mais quando se leva em conta que em 2020 eram 3.000 profissionais cadastrados. A empresa diz não ter um objetivo em termos de números de especialistas na base, mas esses números estão crescendo. Nosso modelo de negócios tem muito balanceamento entre os canais, já recrutamos novos especialistas, tanto para os espaços físicos quanto para o app. De qualquer forma, o volume de negócios gerado pela Bluma neste ano vai ser o dobro do gerado pela plataforma no último ano.
A operação já identificou que as especialistas trabalham na plataforma de forma muito flexível, com casos de especialistas que ficam mais ativas no final do mês, em busca de um incremento de renda. “Não temos regra de negócio em relação a quantos pedidos mínimos elas devem atender, mas temos estímulos e mentoria para que elas atinjam a meta delas”, conta a head de Marketing de Bluma. Hoje, a empresa sabe que se uma especialista dedicar o equivalente a uma semana por mês, oito horas por dia, ela consegue gerar líquido para ela o valor equivalente a um salário mínimo. “Entendemos que Bluma pode ser a plataforma principal delas, queremos promover isso apoiando elas nesse planejamento financeiro. Temos especialistas que fazem mais de R$ 6.000 por mês”, reforça Taissa.
Para entrar no aplicativo, as profissionais passam por um processo seletivo, que foi aprimorado em relação ao que existia anteriormente. A base ativa foi retreinada para revisar a parte técnica e processual. Os protocolos de biossegurança foram reforçados. Além de alguns pontos físicos espalhados pelas praças, inclusive as Casas Bluma em São Paulo (no bairro de Pinheiros) e no Rio de Janeiro (no Centro), onde as especialistas podem levar seus materiais para esterilização. Para as que fazem a esterilização em seus próprios equipamentos (algo mais comum depois da pandemia), a empresa criou um processo de testes biológicos para validar juo com elas se o procedimento está sendo feito da forma correta, seguindo o protocolo da Anvisa. “Elas usam adesivos e tiram fotos do equipamento durante o atendimento, para que se possa fazer a auditoria posteriormente”, explica Taissa.
Para estarem habilitadas a prestar alguns serviços mais específicos, como massagens, é exigido a comprovação de certificados e horas de experiência. Mas todas as pessoas aptas para se cadastrar como especialista Bluma têm a disposição jornadas de treinamento, uma forma da plataforma também garantir alguma padronização no atendimento. Além da renda da prestação de serviços, as especialistas têm algumas possibilidades de renda adicional. Espelhando o que acontece com as consultoras da Natura, a Bluma tem a figura das especialistas-treinadoras, que são capacitadas por educadores para ensinar e treinar outras especialistas.
Diferentemente do modelo da Singu, mais transacional, em Bluma o objetivo é promover a relação entre clientes e especialistas também, desenvolvendo mecanismos para facilitar a interação entre as partes, entendendo, por exemplo, que determinada especialista pode ser direcionada para atender a uma cliente com mais frequência, a depender dos feedbacks das partes. “Queremos facilitar isso, temos projetos para que consigamos coletar pedidos em bairros mais próximos, para diminuir o deslocamento, mas sempre trabalhando junto com elas”, pontua.
Uma nova plataforma para os produtos Natura?
Embora dentro do Grupo Natura, a Bluma esteja dentro da vice-presidência de Novos Negócios, ela traz a assinatura da marca Natura. Por isso, é de se esperar uma sinergia muito grande também em relação ao portfólio de produtos da empresa usado pelas especialistas no app ou nos pontos. No momento, a realidade não é bem assim. “Hoje não trabalhamos exclusivamente com produtos Natura em Bluma”, conta Taissa. Especialmente nos serviços prestados via app, no qual a responsabilidade pelos produtos é, via de regra, das especialistas, elas têm a liberdade de escolher. “Pontuamos o que pode ou não ser oferecido, mas não ficamos restritos à Natura. Nos serviços de unhas, podemos oferecer um amplo portfólio de esmaltes de Natura e Avon, mas elas têm liberdade de usar produtos de outras marcas”, emenda.
Mas a Bluma é parte da Natura, e como tal, busca meios para potencializar os negócios entre as operações. Dentro do portfólio de serviços ofertados pelo aplicativo, uma das opções é a Maquiagem by Natura Una. Taissa diz que existem discussões avançadas para a criação de outros protocolos exclusivos com a marca de cuidados capilar Lumina - que é a linha utilizada para os serviços de cabelos nos pontos físicos da Bluma. A interface com Natura Homem nos serviços para o corporativo e nos espaços físicos também é grande. “Nosso grande objetivo nessa relação com a Natura é gerar experimentação de alguns produtos. Criando formas junto com as marcas Natura de promover essa experimentação, como serviço, mas também de outras formas, como entrega de sampling”, conta a executiva de Bluma, contando que a marca também está próxima de outras franquias da Natura, como Botânica e Ekos.
Com o potencial de crescimento futuro da rede de especialistas de Bluma, a Natura passa a ter acesso à uma rede de profissionais de beleza que poderia dar à empresa, um canal para uma nova frente de vendas. No curto prazo, Tassia diz que não existem planos de que a rede da Bluma funcione como um novo canal de vendas. A possibilidade de desenvolvimento de uma linha de produtos profissionais pela Natura também não foi alvo de discussões. “Temos tido várias conversas de possibilidades e melhorias em produtos, mas não temos um plano para criar linhas profissionais para usarmos como produtos chave de Bluma. No nosso curto prazo não temos conversas com o time, mas pode ser um próximo passo no longo prazo. Até porque, não vemos como um problema usarmos produtos complementares (de outras marcas) dentro do nosso portfólio”, conclui a executiva.