Poucos sobrenomes têm a sua história tão atrelada ao desenvolvimento do mercado de beleza no Brasil quanto o da família Ikesaki. Ao longo de 60 anos de uma trajetória não linear, marcada por momentos de ascensão, alguns tombos e sempre muito trabalho, a família construiu a partir de uma pequena loja na Liberdade, o tradicional bairro oriental na região central de São Paulo, uma miríade de negócios cobrindo não só o varejo, mas também a indústria e a área de serviços.
Hoje, o Grupo Ikesaki controla, além da rede de perfumarias, a operação de atacado e distribuição da EBC, que recentemente se converteu em um atacarejo e incorporou o nome Ikesaki; a Beauty Fair, que além da feira em si atua em diversas frentes relacionadas a educação, conteúdo, relacionamento e desenvolvimento profissional e de diferentes elos da cadeia de beleza; e a fabricante de secadores e produtos de eletrobeleza Taiff.
A atual configuração societária do Grupo Ikesaki é o resultado de um longo processo de organização da governança dos negócios da família. Esse processo também teve várias idas e vindas, mas mesmo longe de poder ser considerado ideal, de acordo com os sócios do grupo, se mostrou bastante resiliente nos testes recentes aos quais foi submetido. “Construímos toda uma estrutura que tem holding societária, separação dos sistemas patrimonial, empresa e família. De fato nos esforçamos para construir isso. É perfeito? Não é. Mas o nosso modelo de governança já nos deu prova de ser muito resiliente e correto. Porque em algumas situações difíceis ela se demonstrou bastante sólida”, explica Ricardo Ikesaki, CEO do grupo.
Para dar suporte ao seu modelo de governança, a estrutura corporativa (mas também o modelo de negócios do Grupo Ikesaki) não encontra paralelo no varejo de beleza brasileiro. O fato de pertencer a um grupo econômico com operações em outras áreas, que operam com margens maiores, favorece esse processo, é verdade. Embora hoje existam no mercado redes que, com número maior de lojas, geram receitas equivalentes à operação de varejo da Ikesaki Cosméticos, algo inimaginável dez anos atrás, essas varejistas ainda não contam com um grupo de lideranças tão diverso e robusto, com talentos de dentro e de fora da casa, além dos próprios dotes da família. A relação simbiótica entre a família Ikesaki e a empresa, longe de ser desfeita, foi de alguma forma contraposta pela presença de executivos de fora, na medida em que os Ikesaki - a começar pelo próprio Hirofumi -, foram empoderando profissionais de fora da família à frente dos negócios. Essa “divisão” de poder da família com as outras lideranças da empresa, que remonta, pelo menos, aos anos 1990, veio evoluindo e sendo formalizada por décadas. Na prática, os membros da família sempre tiveram o apoio de talentos externos para tocar os negócios, inclusive para dividir o fardo de ter de tomar decisões.
Poder contar com um time de executivos tarimbados ao seu lado não tirou os Ikesaki do dia a dia das operações. Até porque, para o fundador Hirofumi Ikesaki, que faleceu em 2022, aos 94 anos, se você não estivesse com a mão na massa, você não estava trabalhando. “Não tinha uma visão de sócio-investidor. O negócio era trabalhar na operação”, lembra Ricardo. Embora ainda estejam fazendo o “desmame” da atividade executiva, o que deve demorar mais alguns pares de anos, a forma como ele e suas irmãs Márcia e Suzy Ikesaki atuam no negócio mudou, em especial ao longo dos últimos 10 anos, substancialmente.
Se por muito tempo, cada um dos filhos de Hirofumi tinha a responsabilidade mais direta sobre um negócio ou área específica, hoje, os três membros da família Ikesaki que estão na operação lideram a empresa muito mais com base em decisões colegiadas, a partir da criação de comitês para tratar de diferentes assuntos relacionados com as decisões estratégicas e de negócios das diferentes empresas do grupo. “Trabalhamos com pequenos comitês que estão mais próximos de operações. Se você me perguntar qual é a estrutura, não tem um modelo padrão para te dizer. Nós convocamos uma reunião”, brinca Ricardo. Avesso às terminologias sofisticadas, na prática, o modelo de gestão da Ikesaki hoje traz muito dos preceitos da metodologia ágil (um dos mais modernos modelos de gestão corporativa), caso dos próprios comitês aos quais se refere Ricardo (equivalentes aos squads), constituídos para a análise relacionadas a processos ou projetos específicos. “É um modelo de decisão mais colegiado e temos evoluído nesse sentido”, diz o CEO do grupo.
O atual modelo de decisões colegiadas, e a própria disposição dos donos do grupo de abrirem mão de certos dogmas e convicções em relação ao negócio, foi sendo evoluído, formatado e formalizado ao longo de décadas, mas tem na base esse histórico de compartilhamento de poder, que é precedido por um processo de estabelecimento de confiança da família com as outras lideranças da empresa, o que viabiliza um modelo decisório mais descentralizado e, principalmente, menos personalista.
Outra vantagem de operar como um grupo é que a operação de varejo poe contar com o apoio de talentos de outras operações do grupo, que podem trazer perspectivas e experiências diversas para apoiar a tomada de decisão. “Para nós, faz mais sentido a participação de um cara como o César (Tsukuda, diretor da Beauty Fair e do grupo), que conhece muito o mercado dando a sua opinião e contribuindo com os direcionadores estratégicos de cada uma das operações. Não podemos abrir mão de um recurso, de um conhecimento como esse que está dentro do grupo”, diz Ricardo, reforçando que sabe que operando como parte de um grupo que é ao mesmo tempo concorrente, fornecedor e parceiro tanto do varejo, quanto da indústria de beleza, é preciso guardar uma postura ética perante o mercado.
Sem consenso, apela-se ao consentimento
Uma vez que os sócios estabeleceram um modelo de decisões colegiadas, existe um trabalho para tentar sempre alcançar algum consenso, o que pode consumir algumas rodadas de reuniões e discussões tornando o processo, naturalmente, mais demorado do que uma tomada de decisão monocrática ou mesmo que ficasse restrita aos irmãos. Só que por mais que se converse e se use argumentos de um lado e de outro, nem sempre o consenso é possível. Nesses casos, busca-se então, no mínimo, o consentimento. “Concorde-se ou não com a decisão, se sou voto vencido, uma vez decidido eu vou apoiar e não vou sabotar a decisão”, explica Ricardo.
O processo relacionado com a abertura da mais recente unidade da Ikesaki, na cidade de Santos, litoral paulista, é um bom exemplo de como tudo isso funciona de verdade.
Um dos elementos formadores da imagem da Ikesaki são as suas super lojas. Desde que deu início a sua expansão, no início dos anos 2000, até meados da década passada, esse era o único modelo possível para uma loja Ikesaki: unidades com 1.500 m2, centros técnicos, área exclusiva para os profissionais, 20 mil sku’s… a própria unidade da Galvão Bueno, vivenciou vários processos de expansão e reformas aos longo das décadas para se converter no que é hoje, um prédio de 10 andares com muitos pavimentos de loja e um exército de promotoras para atender as milhares de pessoas que visitam a loja, que faz parte do roteiro turístico da Liberdade hoje.
Mas esse modelo de super lojas nos quais a empresa sempre apostou, começou a ficar pesado e a demorar demais para maturar. Isso tornava o processo de expansão da Ikesaki mais lento, em um momento no qual outras redes aceleravam o passo. Somado a isso, o varejo de beleza começou a deixar as ruas e avançar pelos shoppings brasileiros. E se em lojas de rua já é difícil encontrar boas opções nesse formato, imagine fazê-lo dentro de um shopping? As discussões sobre o modelo de lojas (que não deixa de ser uma discussão sobre modelo de negócios), se intensificaram a partir de 2015. Foram anos de pesquisa, discussão , idas e vindas - com uma pandemia no meio -, até que em 2023, a rede retomou as aberturas de lojas, com a inauguração da unidade do Shopping Aricanduva, na zona leste da capital paulista.
Para acelerar a expansão, era preciso operar em formatos menores que os da habituais super lojas. Ao mesmo tempo, era preciso encontrar um modelo de loja que garantisse aquilo que é a essência da Ikesaki: o forte relacionamento com os profissionais. No caso das lojas, a concretude disso se dá tanto pelo amplo mix de produtos, incluindo uma seleção de itens vendidos exclusivamente para profissionais, até o atendimento especializado e a ampla oferta de cursos e educação profissional. Tudo isso ajudou a Ikesaki a ser a grande referência dos profissionais de beleza, gerando tráfego para as lojas, recorrência e fidelidade deles, que de quebra geram tickets mais altos para a loja. “A forte relação com os profissionais, algo que está na nossa história, é a nossa origem, tornou a decisão mais difícil mesmo. A gente sempre quis levar toda essa estrutura para atendê-los. Agora, como eu reproduzo esse modelo em lojas de menor porte?” Nos parecia muito difícil viabilizar.
Depois de anos de pesquisas e discussões, a Ikesaki encontrou um modelo que preserva essa identidade e que satisfaz, na visão da empresa, o frequentador profissional, mas também o público final e os próprios fornecedores da varejista. As novas lojas, tem como padrão algo entre 600 m2 e 800 m2. A metade de uma loja antiga. Mas, para inaugurar uma Ikesaki que é a metade da metade, aí foi preciso abrir muito mais as cabeças para ser flexível e não deixar a oportunidade passar. E a loja de Santos representa exatamente isso.
Diretora de marketing do Grupo Ikesaki, Cibele Zamparolli vê na loja de Santos, inaugurada no último mês de julho, um exemplo de como a governança da companhia, mesmo em um modelo de decisão colegiada e busca por consenso, consegue fazer uma tomada de decisão rápida. “Foi uma oportunidade. A loja no litoral não estava no cronograma, tão pouco era parte dos planos da rede abrir uma loja de pouco mais de 300 m2”, lembra a executiva. “Montamos um comitê, listamos todos os pontos dos quais não gostaríamos de abrir mão e aqueles dos quais não abriríamos mão de jeito nnhum, porque são elementos da fazem parte dos nossos princípios, e estressamos o projeto com as diferentes áreas para ver como aquela loja poderia se viabilizar, discute-se o modelo e daí você consegue aprovar e fazer a loja”, emenda. A discussão foi intensa e não chegou a um consenso entre todos os decisores.
Mais do que uma mera aprovação para tocar a obra de uma nova loja, a batida de martelo para a nova loja de Santos é um exemplo de quanto o modelo mais descentralizado tem funcionado na Ikesaki e como essa governança tem sido importante para levar a empresa a avançar frente aos dogmas da sua história. “Eis aí um exemplo de consentimento. Eu não saberia o que fazer em uma loja de 300 m2”, afirma Ricardo. “Particularmente, sou muito contaminado por lojas de 1.500 m2. Se não fosse o pessoal que faz o contraponto para a gente, eu ficaria em lojas maiores. Mas eles conseguiram demonstrar que existem caminhos possíveis para viabilizar. É uma prova de que eu mesmo tenho que me calar e deixar eles trabalharem”, conta Ricardo.
Para viabilizar a oferta de cursos, a Ikesaki Santos se valeu das vitrines da loja. É um espaço para 25 pessoas, pequeno na comparação com os Centros Técnicos das outras lojas. “Se não dá para fazer um treinamento hands on, dá para oferecer uma boa educação”, acredita o CEO. Mas também é verdade que em nenhuma outra unidade esse elemento que faz parte do DNA da Ikesaki está tão visível e exposto, não só para os profissionais ou consumidoras que estão participando d urso (que é dado com headset e fones de ouvido para o público), mas para todo mundo que está dentro e também para quem passa do lado de fora da loja. Para não ter ruptura, a loja de Santos é abastecida de manhã e de noite, porque ela não tem área de estoque.
Menos amarras para a expansão
Se o padrão ideal das novas lojas da Ikesaki tendem a ter entre 600 m2 e 800 m2, isso não significa dizer que situações como a de Santos não podem aparecer e serem alvo de discussões em algum comitê. “Até por uma imposição do mercado, provavelmente não vamos ter um modelo único de expansão”, acredita Cesar. “Não queremos abrir mão do nosso DNA, dos diferenciais que temos para os profissionais; ao mesmo tempo, precisamos estar muito conectados com o que acontece no mercado e no varejo”, emenda o diretor do grupo.
Nesse novo ciclo de expansão, a Ikesaki está separando as lojas por clusters, buscando entender qual formato faz mais sentido em cada região. “A ideia é termos um modelo que possamos ocupar o espaço da melhor forma possível , olhar muito de fora para dentro para ocupar mercado e fazer valer a força da marca”, explica César. Como é mais fácil encontrar espaços de 350 m2, do que 600 m2, podemos vir a ver mais unidades da Ikesaki com metragem próxima da loja de Santos? A possibilidade existe, até porque a rede já demonstrou que com um trabalho de categorização e análise de dados é possível acomodar o universo da marca dentro desse formato. “Se existir uma combinação de bons pontos, com boas localizações, ainda que em tamanhos menores, podemos pensar. Não é o ideal, mas avaliamos”, reforça Cibele.
Ponto é, que não ser ideal não é mais um motivo para não seguir em frente. “Tudo o que está na caixinha do ideal te limita o crescimento”, alerta Cesar. Para ele, é preciso ter clareza do quê não se pode abrir mão, mas ter a ciência de que o movimento pode ser feito para cá ou para lá porque existe um desejo maior de ocupação de espaço. “Entendo que se você tiver 70%, 80% das premissas cumpridas e que nenhuma premissa que diga respeito aos nossos DNA e valores de fora, acho que vale assumir o risco. Precisamos dar velocidade ao processo”, emenda.
Nesse novo momento da Ikesaki, usa-se cada vez mais a inteligência para customizar as soluções para as lojas, adequando o mix ao espaço e a realidade de cada loja, sem que para isso se abra mão das premissas inegociáveis apontadas por Cesar. Para a montagem do mix, por exemplo, a área comercial faz análises de pistas de preço, por produtos e categorias para dar conta de contemplar todas as soluções. “Não podemos abrir mão da entrega de portfólio completo do ponto de vista de serviços, mas você pode fragmentar. Não preciso ter quatro opções de palitos em todas as lojas. Mas eu não posso deixar de ter palitos, mesmo nas lojas menores, para atender a manicure”, diz Ricardo.
A vice-presidente da Granado, Sissi Fremann, tem visto os bons resultados gerados por esse processo de clusterização das lojas da Ikesaki nos resulltados de vendas da marca. “Especialmente com a área Comercial e Trade, temos visto profissionais com know-how de mercado, mais uso de dados para a tomada de decisões e a gestão estratégica de mix com a clusterização por perfil de loja e categorias”, diz a empresária, apontando que isso tem resultado em aumento de faturamento para linhas como Pink e Terrapeutics, alavancando ticket médio e disponibilidade de produtos.
O mesmo vale para o atendimento especializado nas lojas. Nas perfumarias, em especial nas lojas maiores, a presença das promotoras das marcas é maciça. Mas como lembra César, existe uma loja como a da Galvão Bueno onde atuam 200 promotoras e uma loja como a de Santos, na qual não cabem 10 promotoras ao mesmo tempo. Mas a qualidade do atendimento nas lojas é garantida, principalmente, pelas especialistas de categoria, posições que estão sendo desenvolvidas e reforçadas pela Ikesaki. O modelo começou pela unidade do Aricanduva e foi implementado em todas as novas lojas. Mais recentemente, as lojas mais antigas também passaram a contar com essas personagens. “É algo que nós temos que desenvolver por conta, para não deixar as clientes sem orientação técnica de alguém que possa sugerir uma marca, que também seja muito conhecedora das indústrias e não de uma marca apenas”, diz Ricardo. Essa profissional está sendo preparada para falar de igual para igual com a profissional que vai na loja, embora o foco principal dela seja atender ao público. De acordo com a empresa, essa profissional também deve, no futuro, ser capaz de atender e coordenar as promotoras, mas isso ainda é um trabalho em progresso.
A Ikesaki nunca abriu tantas lojas em um período tão curto de tempo. Desde 2023 já foram quatro novas lojas, todas em shoppings: Aricanduva e Campo Limpo em São Paulo, além do Iguatemi em Sorocaba, no interior; e o Praia Mar de Santos. Para este ano, ainda serão inauguradas mais duas lojas, incluindo uma no shopping Center Norte, um dos mais tradicionais e movimentados da capital paulista, e outra no SP Market, na zona sul da capital paulista, ambas programadas para acontecer em dezembro. Com isso, a Ikesaki fecha o ano com 15 unidades. Para 2025, a expectativa é fechar o ano com 20 lojas. César diz que nos próximos dois anos, tem muita coisa a ser feita num raio de 100 km a 150 km da capital paulista. Isso abre possibilidades da rede chegar a cidades como São José dos Campos, Jundiaí e Piracicaba, todas com população superior a 400 mil pessoas; além de grandes municípios da região metropolitana, como Guarulhos, São Bernardo, Barueri e Osasco, cidade na qual a Ikesaki realizou o único fechamento de loja de sua história. Apesar da “dor” de fechar uma loja, esse foi um processo de maturidade importante também. “Quando você entra em um movimento de expansão, pode acontecer problemas com uma loja nova. As coisas mudam, muda o metrô, a localização de um ponto de ônibus e isso pode derrubar a tese do ponto. É um processo de erro e acerto, mas ter problema em uma loja e ter a osstyle="font-size: 1rem;">Ao longo de 60 anos, foram vários movimentos de empreendedorismo liderados por Hirofumi, seus filhos e os muitos profissionais que passaram por postos de direção na empresa. Com isso, existem muitas pessoas na empresa (e no mercado) que têm a dimensão do legado que essa história representa. E para Ricardo, isso não é algo exclusivo de familiares. “Tenho a sensação de que figuras como o Cesar, o Brito (de Paula) e outros profissionais que não tem a visibilidade do mercado, mas são muito importantes para a nossa história e o nosso negócio, tem essa paixão pelo grupo. Não é uma discussão sobre terceira geração e herança, mas sobre legado”, diz o CEO, afirmando que o legado da Ikesaki é suficientemente forte e arraigado na empresa para seguir em frente sem a presença de um membro da família Ikesaki no dia a dia da empresa. “Tenho sobrinhos que têm demonstrado interesse pelo negócio, mas muito francamente, quero que eles e meu filho sejam felizes no ofício que eles desejam para si. Agora, eles podem ser educados para serem bons sócios, o que é difícil também, tão difícil quanto”, conclui.<