Perfumista da Aromaty, Felipe revela que é no conforto de sua casa que ele desenvolve as melhores criações
Felipe Del Vigna é engenheiro químico, perfumista e diretor executivo da Aromaty. Também formado em Turismo e Gastronomia, ele é fã de natação, yoga e jardinagem, além de viajar! Ele conta que cresceu na área da perfumaria. A empresa da família foi fundada em 1996 pelos seus pais, Alfredo Del Vigna e Lane Del Vigna.
Passado mais ou menos 8 anos, em 2004, quando Felipe tinha 20 anos, ele começou a se interessar pela área. Começou a buscar espaço na Aromaty, se inteirar, se envolver mais na estrutura que era a empresa. A primeira interação dele foi com os produtos que o pai levava para casa. "Eles (seus pais) criavam algumas coleções e sempre faziam alguma interação com os filhos, para entender daqueles que talvez mais tinham aptidão o que eles achavam", conta. Para Felipe, isso era algo muito bom, já que antigamente ele tinha o hábito de fazer vela parafina, com composição com fragrâncias, como melancia, canela, flores brancas. "Meu primeiro contato mesmo com esse universo foi através dessas brincadeiras que eu fazia na cozinha da minha casa", conta.
Nos seus primeiros passos na Aromaty, Felipe dividia o seu dia em duas partes, fazendo o comercial em uma delas e trabalhando no laboratório na outra, para executar testes e aperfeiçoamento de fórmulas.
Felipe conta que sempre foi muito comunicativo e por ter um conhecimento técnico relevante e de destaque, caminhou naturalmente para o comercial. "Sempre fui uma ferramenta importante, sempre estive por trás do comercial, dando subsídio de informação para que o time fosse negociar com o cliente", diz. "Então, eu assumi uma posição mais de gerenciamento, de coordenação daquele time do que de execução primária, sempre foi uma questão mais de suporte ao time, só que paralelo a isso, eu fazia algumas criações também", diz.
Naquela época, e empresa tinha um time de perfumistas. Depois, a perfumista voltou para a Espanha... "eu tive um trabalho firme, que foi feito comigo, para que então eu me tornasse independente, foram quase quatro anos de estudo, para então começar a formular para a Aromaty", conta Felipe.
Esse processo de somar o criativo ao lado comercial fez bem para Felipe. "Depois de 20 anos na Aromaty, consigo entender a funcionalidade de ter um olhar calibrado na criação só que de forma macro, você conseguir enxergar todo o sistema e a complexidade dele, porque quando você está num processo criativo, você sempre vai analisar os acordes ou matérias-primas de acordo com a melhor composição que você acredita, e nem sempre isso é o interpretável pelo nariz do consumidor", diz.
Entender o funcional criativo
Para Felipe, como existe uma competitividade muito grande em termos de formulação, quem está na área criativa tem que avaliar, criar e sentir as fragrâncias de acordo com o olhar do consumidor. "Aquilo que faz sentido para aquele público-alvo específico", diz o perfumista. "E por eu ter acompanhado a ponta durante muito tempo, eu consigo enxergar isso com muita exatidão. Por eu estar à frente de alguns clientes, eu consigo entender o que faz sentido e o que não faz sentido", completa. Com isso, Felipe afirma que hoje as suas criações são muito mais precisas e têm a performance desejada pelos clientes.
Felipe diz, entretanto, que o processo criativo é algo que não é lógico, o que demanda ainda mais dedicação, inspiração e trabalho. "No processo criativo que começa do zero, é preciso elencar um ingrediente ou um acorde que faz sentido para aquele projeto e começar a construção de uma história olfativa em que elementos vão sendo colocados dentro dessa criação, e esses elementos falam, eles se conectam com esse ingrediente principal, de forma a formar uma história, um livro que é extremamente comercial", explica.
Já no processo criativo fundamentado em algum bench de mercado ou algum produto de massa, sempre tem um pilar, uma linha que o perfumista constrói. "Dependendo do acorde ou da família olfativa, a gente insere ingredientes que são a assinatura do perfumista... eu tenho alguns ingredientes que eu sempre aloco dentro de criações para dizer que aquele perfume fui eu que fiz", conta Felipe. "Eu tenho apreço muito grande pelos musks de maneira geral, entre eles o hero né, o meu favorito, que é o cashmeran. Essa eu acho que seria uma assinatura cravada das minhas criações”, conta.
"Tenho muita sinergia com esse ingrediente, pra mim é como um veludo que surge dentro das criações, trazendo densidade, textura. Ele funciona como um pilar forte de sustentação, traz uma presença intrínseca na fórmula e, dependendo da forma que você combina, pode torná-lo ainda mais madeira ou mais musk, então outros ingredientes entram como coadjuvantes de formulação, dando mais robustez para esse ingrediente, como é o caso das iononas ou de moléculas mais interessantes, como âmbar extreme, ambrocenide, amber quental, essas moléculas novas, modernas, trazem uma sustentação e uma elegância muito interessante para esse ingrediente", afirma Felipe.
A história de Felipe com esse ingrediente começou ao mesmo tempo que o profissional foi sendo reconhecido no mercado. "O primeiro grande projeto que fechei, foi através do uso desse ingrediente, foi a estrutura criada em cima dele que fez eu ganhar esse projeto, e o segundo maior projeto que eu fechei, e que eu ganhei um prêmio por isso, foi o Soleil Noir, da Luci Luci, e a estrutura por trás dessa criação é o cashmeran. Ele ganhou o meu coração, é o meu ingrediente da sorte", diz o perfumista. “Tem muita sinergia com o brasileiro, o brasileiro tem muito apreço por esse tipo de molécula”, acrescenta.
Nariz pronto para o que der e vier
Uma das principais ferramentas do perfumista é ter um nariz calibrado. Essa visão de Felipe atesta o quanto é importante trabalhar a atividade de cheirar no dia a dia, para estar atendo e pronto a todas as necessidades e exercícios que a profissão demanda. Mas às vezes pode haver algum revés.
"Em uma das minhas mais recentes viagens, eu fui fazer uma avaliação de cheiro, um store check de um supermercado na Tailândia. Fui sentir o cheiro do sabão em pó, mas... é muito diferente do padrão brasileiro, mas é muito diferente. Outra vez eu estava em Grasse, na França, no mês de junho, para visitar uma plantação de lavanda, e eu não sabia que na florada da lavanda eles acabam tendo várias colmeias de abelhas que polinizam a lavanda, na hora que eu fui sentir ... tinha uma abelha dentro da lavanda, ela picou o meu nariz, que ficou vermelho e todo inchado", conta.
Rotina disciplinada
Felipe acorda todos os dias às 5h, toma um café expresso e às 5h30 em ponto chega à academia. "Todo santo dia, de segunda à sexta-feira, sem exceção", conta. Depois disso, inicia a sua jornada em torno de 7h45, 8h. Assim que chega à empresa, ele sempre pega o pipe, onde estão os projetos que entraram na semana ou no dia anterior, e inicia o trabalho, de criação, contra-tipagem ou análise técnica.
Geralmente, Felipe almoça entre 12h30 e 13h30, e à tarde ele dedica à avaliação de projetos ou à avaliação de produtos que estão no mercado. "E no período da tarde, eu concilio com a agenda do comercial, então eu falo de projeto, discuto projeto, discuto propostas comerciais com o cliente, com carteira, e isso vai até as 18h, quando encerro o meu dia na empresa, mas eu só faço criação de perfume aqui no meu escritório, em casa, e é daí que eu perco os meus horários...", conta o perfumista. "Normalmente, faço criações quarta, quinta e sexta, e eu gosto de brincar com projetos, pego um projeto e exausto ele, gosto muito de fazer isso nesses dias de semana", conta Felipe. "Em casa, eu faço avaliação e customização de fórmula. Boa parte dos meus best-sellers, eu crio no meu home office, onde consigo focar 100% no meu processo criativo".
Felipe conta com os seus dois irmãos mais velhos na Aromaty, Marcelo, que é o diretor industrial da empresa, e Maurício, que comanda a área de importação, exportação e compras. O pai, Alfredo, hoje tem uma posição mais de conselheiro da empresa, atua mais quando a empresa vai fazer um investimento, uma aquisição ou um movimento mais importante. A mãe, Lane, é a diretora financeira. “Ela ainda faz mais parte da empresa, mais hands-on, quando a gente fala em trabalho de área”, explica Felipe.
"Nós cinco construímos um padrão de relacionamento muito saudável, de muita parceria, muita conversa, acho que o segredo de chegar aonde a gente chegou é todo mundo estar olhando para o mesmo destino, para o sucesso da companhia, que também é o sucesso da família", afirma.
Para ser quem realmente é
Quando começou a trabalhar, em 2004, a cultura geral era totalmente diferente com relação aos temas LGBT, mas na visão do perfumista, ainda é preciso avançar e melhorar essa questão. "Ainda hoje, apesar da gente ter evoluído muito enquanto sociedade, vejo pouca representatividade de pessoas LGBT, na estrutura de direção e coordenação de um trabalho, eu elenco na mão quantos diretores eu conheço que pertencem também às siglas..., vejo muito pouca representatividade em cargos de direção".
"Acho que o próprio movimento LGBT também mudou de figura, os gays também tiveram um processo de criação de casca, de robustez, força, conquistando mais espaço porque se informaram, criaram conhecimento, vejo que está se criando um espaço mais ameno, mais tranquilo, para que cada ser humano possa ser quem realmente é, e poder discutir isso no campo do trabalho, acho que nisso a gente evoluiu enquanto sociedade", finaliza Felipe.