Quotidien

Mais trabalho, mais qualidade

As jornadas de trabalho da criadora da marca de perfumaria Felisa, Fernanda Orcioi, são hoje maiores do que quando ela era diretora de uma multinacional da área. E a qualidade do tempo e a atenção que ela dedica à família hoje, cresceu em proporções ainda maiores

Por mais de duas décadas, a carioca Fernanda Orcioli viveu uma vida padrão de alta executiva: repleta de apresentações, reuniões, de política interna e viagens, muitas viagens, incluindo três anos como expatriada na Europa. Uma vida que tem muito de glamour, especialmente para quem olha de fora, mas que vem sempre acompanhada de muita pressão e de um dia a dia que é ao mesmo tempo demandante de tempo, desgastante emocionalmente e muito improdutivo.

Como diretora de Marketing para o Brasil, último cargo que ocupou na companhia espanhola Puig, Fernanda respondia pelo desenvolvimento de algumas das marcas de perfumaria mais vendidas do Brasil, como Paco Rabbane e Carolina Herrera. “Vivia sempre muito estressada, mesmo em casa. Tinha que viajar muito para o exterior, saia no sábado, para chegar no domingo porque já tinha reunião na segunda cedo”, explica. Essa foi a vida que Fernanda quis por muito tempo e pela qual trabalhou muito, e trabalhou bem dado o sucesso que obteve profissionalmente. Mas como ela mesmo diz, a vida vai sendo ressignificada.

Aí veio a pandemia e com isso, um momento de muita reflexão e de grandes mudanças para a então executiva. “Meu segundo filho nasceu durante a pandemia e quando ele veio foi um start para a mudança. Porque não queria estar muito ausente”, lembra. E o empreender veio junto com isso, uma vontade de construir um novo capítulo na sua vida. “Quando minha primeira filha nasceu, em 2017, eu voltei a trabalhar logo depois dos quatro meses de licença e já fui uma semana na Europa, e ela era super bebê. Sempre atentei muito para a minha felicidade, ao que me faz bem. Por isso sempre reflito muito comigo mesmo: tá tudo bem? Estou onde queria estar ou estou no meio do furacão e a vida é que está me levando?. Eu tenho uma personalidade muito forte, muita intensa e minha mãe sempre me falou muito isso. Antes dela falecer, ele me fez prometer que eu nunca ia deixar de lutar pela minha felicidade, até o fim”, conta.

Isso deu a Fernanda a vontade e a disposição para se permitir tentar um novo rumo para sua vida. Quando saiu da Puig, em 2022, Fernanda encarou um período sabático, para recolocar a vida nos trilhos. Nessa época, ela viveu a fase do estereótipo da “mãe perfeita”. “Levava meus filhos em todos os compromissos, participava de tudo, conhecia as professoras, levava chocolate, discutia com a nutricionista… Fiz isso por dois meses. E vi que não era a vida que eu queria também”, conta.

Fernanda não sabia muito bem o que desejava, e tinha culpa, algo que ela diz não gostar de carregar. Mas a culpa não era das muitas horas trabalhadas, mas sim porque mesmo estando em casa, por conta da pressão e da dinâmica do trabalho como executiva de uma grande multinacional, ela não estava presente. “Precisava fazer alguma coisa, mas se fosse voltar para o mercado, minha vida seria igual. Foi quando decidi empreender, algo que sempre achei muito difícil. Via o meu marido, que é empresário, na luta, e que é possível ter sucesso quando se trabalha incansavelmente”, diz.

Em 2023, Fernanda criou a Felisa, uma marca de perfumaria seletiva brasileira, que já está presente em 35 pontos de venda seletivos pelo Brasil, além de ter uma operação própria de e-commerce. “Muita gente achou que eu era louca, com essa pretensão de ser uma marca de luxo, com uma perfumaria autoral em um ambiente dominado por marcas internacionais e tradicionais”, lembra.

Como jovem empreendedora, ela precisa trabalhar tantas horas para dar conta de uma operação que depende, em diferentes áreas, da intervenção direta dela, do que quando trabalhava numa multinacional. Mas o que mudou de verdade e fez toda a diferença para a agora empresária é que mesmo estando presente menos horas em casa e com os filhos, quando ela está, ela garante que está de verdade, com vontade de estar ali e de escutar.

A rotina de trabalho da Fernanda empresária é intensa. Afinal, hoje, é dela, é só dela, a responsabilidade por desenvolver a operação e tocar todas as áreas que envolvem a sua empresa. Isso passa pelas áreas que ela domina, como o Marketing e o Digital, e os outros aspectos da operação com os quais ela tinha pouca ou nenhuma familiaridade. “É bastante impressionante os desafios da logística e das questões fiscais. É uma demanda impressionante, mesmo para uma empresa pequena, o que acaba tomando um tempo do meu dia a dia para lidar com essas questões”, pontua.

Um dia normal da empresária começa às 5h30. Ela malha de 6h às 7h, volta para casa, deixa os filhos na escola às 8h e segue para a Felisa. Na empresa, o período da manhã normalmente é dedicado às reuniões. O almoço, quase sempre é dentro da própria empresa. A tarde é dedicada para trabalhar mais com o time e para entender o que está acontecendo. Quando precisa mergulhar em algum assunto, Fernanda prefere fazê-lo de casa ou de algum lugar onde esteja sozinha, para ter esse momento mais profundo. Hoje, a Felisa conta com seis colaboradores e várias agências que prestam serviço à empresa.

“Gosto de trabalhar muitas horas, até umas 20h, 21h. É muito difícil trabalhar menos de 12h de segunda a quinta. Sou uma pessoa muito ativa, meio megalomaníaca, com muitas ideias ao mesmo tempo. Tenho um combinado em casa, eu preciso de muitas horas para me aprofundar nos assuntos e esse horário após o expediente da equipe é de profunda criatividade. Até por isso a Felisa está nessa onda de crescimento acelerado”, diz.

A vida de dona de empresa pequena acarreta em muitas preocupações com o fluxo de caixa da empresa, os investimentos, dar conta dos pagamentos e ainda alavancar o crescimento da Felisa. Não é pouca coisa, e muito menos é fácil. “Sou muito organizada, tenho planilha de tudo, controles, sei o que está acontecendo no dia a dia”. Mesmo com esses desafios e essa carga pesada de trabalho, ela acredita que o seu tempo hoje é muito mais produtivo do que na sua vida como executiva e sem as pressões que envolvem ser uma liderança de uma grande corporação. Por exemplo. Ser uma viajante frequente e tendo passado tanto tempo fora de casa, faz com que hoje, Fernanda prefira fazer suas viagens no esquema bate e volta. “Eu viajo para todos os lugares que a gente abre loja e faço um esforço máximo para ir e voltar no mesmo dia, não preciso nem arrumar a mala, por mais que seja exaustivo”.

Na sexta-feira , a dona da Felisa encerra as atividades mais cedo. Em geral, os finais de semana são dedicados à família na praia. “Ali eu me desconecto, fico no mar, é uma mudança de ambiente e que ajuda muito na minha inspiração também. Esse refúgio familiar é um grande respiro para estar sempre conectada com eles”, conta.

Com o avanço da empresa, Fernanda não tem medo de deixar se tomar pelo dia a dia da operação e deixar de lado a parte criativa do trabalho, que foi um dos motivos dela ter criado a sua própria marca. “Como empresária, eu tenho que resolver problemas do alvará, da Substituição Tributária, muitas questões do dia a dia que tomam muito tempo e acabam com a paciência. Isso acaba te deixando muito objetiva, o que não pode acontecer se você é a diretora Criativa da empresa”, reconhece. “Mas não tenho medo de lidar com essas dores do crescimento. Tocar esses aspectos mais burocráticos do negócio, é algo que com o tempo - e não será daqui muito tempo -, eu consigo trazer alguém mais sênior para me ajudar nesse dia a dia. Já a parte criativa, não. A Felisa saiu do meu coração”, conclui.

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