
Como a maquiagem e um filho mudaram a vida de Eliane Dalla Vecchia, CEO e fundador da Dalla
A maquiagem mudou a rotina e a vida da empresária Eliane Dalla Vecchia, fundadora da Dalla Cosméticos, empresa que atua no segmento de maquiagem.
Funcionária de uma empresa de logística em Goiânia, Eliane entrou em um quadro severo de depressão que acabou afetando todos os aspectos da sua vida, deixando-a numa condição bastante crítica. Tanto que ela começou o seu primeiro negócio na área, o Atacadão das Maquiagens, abaixo do zero. “Eu não tinha grana para começar, então oferecia os produtos pela internet, as pessoas compravam de mim, eu pegava o dinheiro, comprava da China e mandava para a casa dos clientes”, lembra. Era uma operação “mambembe”, mas foi o ponto de partida para Eli, como é conhecida, conseguir retomar o básico na sua vida, como voltar a ter energia elétrica em casa.
O negócio de atacado engrenou rápido e Eli estava dando todo o gás para sustentar o ritmo. Ela inventou um bouquet de maquiagem para o Atacadão das Maquiagens, que foi outro ponto de virada. Numa época na qual ainda não se tinham tantas plataformas digitais e facilidades de comunicação, a postagem sobre o novo produto no Facebook teve 12 milhões de interações de forma orgânica. “Vendi bouquets de maquiagem para o Brasil inteiro. Foi uma coisa de louco”, conta. E assim, a empresária ia se virando.
A criação da Dalla foi mais um degrau que Eli subiu com muita vontande de vencer e realizar. Com um ano de empresa, a operação deixou Goiânia e veio para Mogi das Cruzes, na região metropolitana de São Paulo. A mudança se deu por uma questão logística. Como o Atacadão das Maquiagens estava maior e a operação dependia dos serviços dos Correios, a tabela de envio da capital goiana era sempre mais cara que a de São Paulo.
“Chegamos aqui, só eu e meu marido, no pique, a gente trabalhava num regime 24 X 7, ´ligadões´”, brinca. Quando Eli veio para São Paulo, a base vegana da Dalla tinha viralizado e o produto tinha fila de espera para compra, uma coisa absurda segundo ela. “Alugamos um galpão que para nós era gigantesco e ele ficou pequeno em três meses. E fomos trocando de galpão de ano em ano para acomodar o crescimento”.
A rotina se resumia a trabalhar. Aos finais de semana, enquanto o marido carregava caixas para o caminhão, Eli emitia Notas Fiscais. “O crescimento inicial da Dalla foi vertical. E eu nunca tinha tido uma empresa assim, fui aprendendo a lidar com as dificuldades”, conta. Ela se recorda quando um dia, se sentou na calçada, olhou a conta da empresa no banco e viu que tinha R$ 1 milhão, pela primeira vez. ”Comprei uma caixa de foguete de 12 tiros e disparei para comemorar, porque era uma realidade nova, eu nunca tive grana”, lembra.
Hoje, a Dalla é uma empresa saudável, que cresce de forma acelerada, mas sustentada. E, embora diga que ainda não teve o momento de respirar no trabalho, ela reconhece que hoje, sua vida é muito diferente graças ao seu filho, João Carlos.
“Sempre fui uma pessoa enérgica, direta, objetiva. Se não vai fazer ou vou lá e faço, se você não quer eu vou lá e quero, nunca fui paciente, muito gente boa… E aí aconteceu de engravidar”, diz a empresária.
Eli nunca pensou em ser mãe, e naquele momento, com a sua vida estruturada, ela não queria ser mãe de jeito nenhum. A gravidez não desejada - uma semana antes de ter realizado o parto, ela chorava copiosamente no carro, porque não queria estar passando por aquilo -, foi das mais complicadas. “Com cinco meses de gestação, eu tive uma infecção na cabeça e precisei me internar”, lembra. Foram 15 dias no hospital, com Eli trabalhando direto no espaço que ela improvisou no quarto. Descrevendo assim, o leitor pode entender que não se tratava de nada sério, mas a infecção era gravíssima.
Depois de deixar o hospital, a fundadora da Dalla teve pré-eclâmpsia, uma doença hipertensiva que gera riscos para a gestante e o bebê, podendo acarretar em nascimento precoce, o que a fez retornar ao hospital. Foi um longo tempo de internação, com idas e vindas da UTI, sempre trabalhando loucamente. “O meu marido levava o celular escondido para eu fazer os pagamentos da empresa, uma rotina bem maluca mesmo”.
João Carlos nasceu prematuro, com seis meses.
“Nunca tinha visto uma criança prematura, foi um choque. Ele era muito pequeno, não tinha musculatura, só pele e os ossinhos. Ficamos na UTI até ele ganhar peso. Fui mãe de UTI e foi uma fase complicada. Todos os dias eram ruins, porque não sabia se meu filho ia sobreviver ou não”. Por mais que tenha estado em um hospital humanizado e tenha recebido muito acolhimento, ela se lembra de ir para a porta da UTI com as outras mães e ver tudo trancado, porque os médicos estavam fazendo algum procedimento e elas não sabiam qual a criança podia estar passando por alguma emergência.
Quando deixaram a UTI, Eli passava todas as manhãs no hospital para tirar leite, que era importante para saúde do João Carlos, e o leite não saía. “Me recordo de estar conversando com o psicólogo no hospital para tentar entender tudo o que estava acontecendo e de dizer para ele: ‘dizem que quando nasce um filho, nasce uma mãe, mas eu não estou certa disso. O meu amor por essa criança vai ser construído’. O que eu tinha naquele momento era o senso de responsabilidade, eu tenho que manter essa criança viva, porque ele corria muito risco, foram dias bem difíceis, mas ali também fui aprendendo a ser mãe”.
O filho de Eli nasceu durante a pandemia, com o e-commerce explodindo e os negócios precisando rodar em ritmo acelerado. “Voltamos a mil por hora. A gente saiu da UTI dia 23 de dezembro e no dia 1 de janeiro ele já estava do meu lado, na minha sala, trabalhando comigo. A empresa me demandava demais, não tive tempo de descanso do corpo”, conta.
Até pela situação da pandemia, Eli não quis que João ficasse com uma babá. Nos quatro primeiros meses, era só ela e seu marido. Por ser prematuro, os cuidados eram muito maiores e específicos. Após alguns meses, a empresária começou a perceber que o seu bêbê não respondia aos estímulos como as outras crianças, o que a deixou preocupada. “Mesmo sem ter experiência com isso, você nota que tem algo que não está normal. Levei ele em vários médicos até chegar a Neuro, quando ele já estava com uns oito meses, e veio um primeiro pré-diagnóstico de autismo, confirmado quatro meses depois”.
Hoje com quatro anos, João está na fase da janela de aprendizado, o que torna a sua rotina, também intensa: de manhã ele faz todas as terapias, vai para a escola à tarde e faz o reforço do que aprendeu com a mãe à noite. “Eu tenho aprendido a ser mãe, a cuidar dele nas dificuldades que ele tem” (João Carlos é grau 2 de suporte, o que indica uma grau necessidade de ajuda a rotina moderada). E ele tem se saído muito bem. Embora só tenha vindo a falar “mamãe” com quase três anos, agora, ele já forma frases e faz coisas além do que se esperava que ele pudesse fazer. “Ser mãe de uma criança autista é uma coisa maravilhosa, uma descoberta para mim enquanto pessoa e mãe, porque ele está se descobrindo também. Para nós é importante o desenvolvimento dele estar bem acelerado”, comemora.
Atualmente, o hiperfoco do João está no espaço, mais precisamente em foguetes e astronautas, mas até bem pouco tempo, Eli conta que era a música e os instrumentos musicais. “Ele conhece todos, toca bateria, flauta, sabe diferenciar o que é uma flauta doce, uma tuba, onde tem banda ele fica encantado. E ele ama forró”, brinca.
A vida da família em relação ao autismo tem sido uma rotina de muito cuidado, muito preparo, procurando sempre os melhores profissionais e brigando na escola - porque a escola não está preparada para isso. “A escola não quer falar sobre autismo com os outros alunos, dizem que se tiverem de abrir para o autismo eles teriam que abrir para todas as minorias, mas eles tem mesmo que fazer isso, na minha opinião. O mundo está cheio de minorias e as crianças têm que saber respeitar e lidar com isso”, afirma Eli.
Além de falar com os outros pais, ela busca dar suporte à escola, no sentido de melhorar a compreensão e o entendimento dos professores em relação ao autismo. “Ele ainda está com os mesmos colegas, mas não vai ser sempre assim e o nosso medo é que ele possa sofrer bullying ou que aconteçam coisas com ele que poderiam ser evitadas com educação. É um trabalho de formiguinha, mas eu não desisto de fazer, não só por causa dele, mas também pelas outras crianças”, lamenta.
Apesar do ritmo de trabalho continuar intenso, a chegada do filho trouxe uma mudança total na vida da empresária. O pensamento dela, hoje, é outro, a começar pela empatia. “Quando você tem um filho autista, enxerga tudo diferente, sempre pelos olhos deles, as dificuldades que ele teve e que vai ter, é um mundo diferente, com mais empatia pelos outros”, explica.
Se antes era comum trabalhar até às 22h “amarradona”, como ela diz, atualmente, às 18h ela deixa o prédio da empresa e vai embora. “Não me permito não almoçar com ele. Se estou fora da cidade, tenho que fazer uma video chamada com ele vendo ele jantar, contando história. Você muda a sua rotina, não tem como. Eu vivo em função dele”.
E não adianta buscar equilíbrio. Para Eli, trata-se de manter todos os pratos rodando o tempo inteiro. “Não tenho rotina de meditação, tempo para ler um livro… Ainda não cheguei nesse estágio”, brinca. O máximo de espaço que ela consegue são alguns momentos de relaxamento à noite. Ela também dedica parte do final do dia para dar suporte a seus pais.
Eli já teve muitos hobbies. É apaixonada por artesanato e chegou a ter o seu próprio atelier. Hoje, de vez em quando, ela ainda consegue se divertir com isso. Para a comemoração dos oito anos da Dalla, Eli criou e produziu as velas que serão usadas como parte da ativação.
Um dos fatores que permite a dona da Dalla manter todos os pratos rodando é a parceria com o marido. “Fomos nos adaptando no que cada um podia ajudar. Estamos juntos há nove anos e o Tiago, hoje ele ajuda na logística, com os caminhões, que é o que ele gosta. E em casa eu tive que ter um acordo com ele, porque eu não conseguiria dar conta. É um parceiro incrível, que não tem a questão do machismo, ele podia estar fazendo outras coisas, mas ele cuida da casa e estrutura a nossa família. Dependo muito dele e me sinto mais segura com essa situação, de saber que é ele quem está cuidando do nosso filho e não a babá, por exemplo”.
Como os pratos não vão diminuir e não podem parar de rodar, Eli é obrigada a ser regrada com os horários, ou ela não consegue dar conta de fazer tudo. E João Carlos, embora hoje, por conta da sua própria agenda, vá um pouco menos ao escritório da mãe, ele ainda marca presença por lá. “Ele gosta de vir e de sentar no computador de todo mundo. A gente brinca que o apelido do João é “Nenê Rolezeiro”, porque ele ama viajar e ama socializar. É um menino muito bacana”, conclui Eli, cheia de orgulho.