Mercado

Uma nova oportunidade

O ambiente da perfumaria de nicho emerge como uma possibilidade improvável de ser a porta de entrada para a perfumaria nacional na distribuição seletiva. Por Aûani Cusma de Paula e Rodrigo Rezende

Somos o segundo maior mercado de perfumaria do mundo, adoramos dizer que o brasileiro é apaixonado por cheiros, que tomamos banho de perfume… O Brasil também é o lar da Natura&Co e do Grupo Boticário, dois players que, só pelo que vendem no Brasil e na América Latina, figuram entre os maiores do mundo na categoria. E não é só. Temos baseados aqui centros criativos de todas as principais casas de fragrâncias internacionais e uma rede de casas locais com equipes que vêm se qualificando técnica e criativamente cada vez mais, o que coloca o Brasil no topo em termos de criação perfumística, inclusive no número de perfumistas em ação. 

Tudo isso é verdade. E ainda assim, o Brasil não conseguiu emplacar uma marca com alguma relevância na distribuição seletiva, o canal no qual, globalmente, se dá o “grande jogo” da perfumaria. 

Entretanto, o próprio cenário que vem se desenhando no mercado global da categoria hoje – que vive um dos seus melhores momentos desde o início do milênio –, abre algumas janelas de oportunidades interessantes para marcas locais se desenvolveram, justamente, numa faixa de mercado mais sofisticada, a da perfumaria de nicho. 

Esse é um mercado que tem passado por transformações radicais desde que grandes grupos como Estée Lauder, Puig, L’Oréal e até a japonesa Shiseido, em meados da década passada, passaram a comprar marcas de nicho como Penhaligon's, Le Labo, Serge Lutens, Frédéric Malle, L’Artisan e Atelier Cologne para ficar nos nomes mais conhecidos. Desde então, classificar mercadologicamente essas marcas ficou bem mais difícil. Afinal, se antes todas poderiam facilmente ser enquadradas como marcas independentes, de nicho (pela própria limitação da sua capacidade de distribuição), oriundas de uma tradição da perfumaria artesanal ou dispostas a propor criações verdadeiramente disruptivas, o que em ambos os casos lhe conferia um certo caráter artístico e autoral, a partir do momento que passam a ser controladas pelos maiores conglomerados de beleza do mundo, de cara, já não se pode tratar mais essas casas como independentes. 

O movimento de aquisições de marcas de nicho retornou nos últimos anos, com mais nomes independentes cultuados, como Byredo e Creed, sendo compradas em negociações com múltiplos generosos. A Amouage, do Oriente Médio, pode ser o próximo alvo, desde que alguém esteja disposto a bancar os US$ 3 bilhões que o seu dono imagina ser o valor da marca atualmente (o mesmo valor que o conglomerado de luxo Kering teria pagado pela Creed).

Com as marcas de nicho avançando comercialmente por meio dos grandes grupos e as próprias marcas tradicionais da distribuição seletiva (controladas pelos mesmos grupos) expandindo mundo afora as suas coleções de perfumaria tidas como mais exclusivas, embora esse mercado permaneça sendo bastante restritivo em função dos preços que pratica, a verdade é que boa parte dessas marcas invariavelmente acabam redirecionando o seu foco mais para o negócio do que para criação. E isso as faz acabarem perdendo um pouco do frescor e da capacidade de se manter originais por muito tempo. Vão girar mais dinheiro? Sem dúvidas. Mas também vão abrir espaço para outras marcas chamarem a atenção de uma parcela do público consumidor que é mais engajado com a perfumaria em si e que liga menos para o peso, o status e o nome das grandes marcas da perfumaria de luxo.


Ao longo dos anos, foram muitos os problemas apontados para que as perfumarias seletivas tradicionais não abrissem as suas portas para as marcas locais de perfumes. Mas a verdade é que, por muito tempo, essas marcas sequer existiam. Embora o mercado brasileiro tenha uma proliferação de atores atuando na venda de perfumes e dispomos de uma oferta de reconhecida qualidade olfativa, nenhuma marca local com proposta para uma perfumaria de padrão mais elevado (e distribuição mais limitada) foi suficientemente consistente para alcançar algum destaque na distribuição seletiva. 

Tentativas até existiram. No alvorecer da moda e dos estilistas brasileiros, impulsionados pela criação da São Paulo Fashion Week, a partir da segunda metade dos anos 1990, com as grifes locais sofisticando a sua oferta e imagem e crescendo em prestígio e atenção, seria natural que um próximo passo dessa evolução levasse essas marcas ao universo da perfumaria. Muito se especulou à época, mas a verdade é que quase nada de concreto foi feito para dar origem a uma perfumaria seletiva brasileira. 

Uma única grife resolveu entrar para valer no negócio, a Forum, que em um acordo de licenciamento com a RR – maior distribuidora do mercado na época –, lançou o perfume Forum Tufi Duek. Dizia-se que o lançamento foi fruto de um investimento de US$ 1 milhão. A fragrância criada pelo perfumista Jacques Huclier, da Quest (atual Givaudan) de Nova York –  criador de fragrâncias como A Men de Thierry Mugler e Anna Sui –, buscava traduzir a brasilidade cosmopolita adicionando, por meio do cheiro, a sensualidade da brasileira. A embalagem ficou por conta do Atelier Dinand, de Paris, que desenhou frascos de perfumes para Calvin Klein, Dolce & Gabbana e Yves Saint Laurent. O próprio estilista se envolveu diretamente no processo criativo. A ideia era pegar carona na expansão internacional da marca, que na virada do milênio vendia suas peças em mais de 50 lojas nos Estados Unidos e em países como Japão, México e Reino Unido e chegaria, em dois ou três anos após o lançamento, em toda a América, países da Europa e da Ásia. O negócio flopou, a começar pelo Brasil. “Foi muito emblemático quando a Forum começou a entrar no mercado de perfumaria”, lembra Sun Chul Kim, sócio e presidente da Opaque, uma das principais redes de perfumaria seletiva do país. “Tentamos todas as formas para equacionar o desenvolvimento da marca e não deu certo. Não foi preconceito (contra a perfumaria nacional)”, emenda o varejista, lembrando que a marca chegou às perfumarias também em um momento no qual já começava a se enfraquecer. 


Duas décadas depois, novas iniciativas têm dado novo gás à construção de uma perfumaria brasileira capaz de avançar na distribuição seletiva, a maior parte delas posicionadas como marcas que desenvolvem uma perfumaria de nicho.

Um desses casos é o da Felisa, marca criada em 2022 por Fernanda Orcioli, que atuou por duas décadas no mercado de distribuição seletiva em empresas como RR e Puig, onde era diretora de marketing. “Temos dois players gigantescos no Brasil focados mais no mercado massivo, então, dentro dessa pirâmide tem muito espaço para muita gente nascer, muita gente crescer e a Felisa vem disso. Brinco que a Felisa é uma mistura do que eu aprendi nesses 20 anos, somado com a minha paixão e com a oportunidade mercadológica que eu vejo, de um posicionamento mais premium da perfumaria para o Brasil”, explica Fernanda.

“O povo brasileiro é apaixonado por perfumaria. E não temos uma marcade expressão mundial. Fora do país, não conhecem a criação brasileira e nós mesmos, internamente, ainda não conhecemos”, afirma Larissa Mota, co-fundadora da Amyi, uma das primeiras marcas a se aventurar pela produção de uma perfumaria de nicho no Brasil. Para a empreendedora, o mercado hoje vive um momento de mudança, o que justifica a aposta de arriscar para criar uma marca brasileira verdadeiramente criativa, de alta perfumaria e nicho, como a Amyi.

Apoiado numa marca brasileira reconhecida dentro do mercado de luxo, a Tânia Bulhões vem enveredando cada vez mais no mundo da alta perfumaria. A marca que é referência em cuidados com a casa, tem uma linha de perfumaria para o lar já consolidada e que representa uma parcela muito significativa do negócio. Agora, a empresa está aportando esforços e recursos para construir uma perfumaria pessoal de alto padrão com a sua assinatura. Mas mesmo ela precisa encarar o desafio de vencer a imagem que o consumidor tem de uma perfumaria de nicho ou de luxo brasileira (ainda que o próprio consumidor não a conheça). "Precisamos deixar muito claro que não viemos para dar um tiro de espingarda, mas para nos consolidarmos de forma perene como uma marca brasileira de perfumaria de alto padrão”, diz Marcel Rosa, diretor da Tânia Bulhões Perfumes. Para o executivo, essa preocupação se reflete na forma como a marca trabalha para construir a sua marca na categoria sem tomar atalhos, ainda que existam recursos financeiros para isso. “Buscamos refletir na nossa perfumaria o nível de cuidado e requinte com os quais já trabalhamos há muito tempo nas áreas de casa e tableware, em todos os detalhes: na caixa, nos frascos polidos à mão, no uso de tampas magnéticas e em fragrâncias no mesmo nível de perfumaria de nicho fora do Brasil, com criações totalmente proprietárias”, reforça Marcel, lembrando que a marca realiza um nível de investimento muito alto em cada fragrância e que esse investimento tem retornado, com um índice de recompras crescente, acompanhado pelo e-commerce da marca. 

Outra marca que partindo da perfumaria de alto padrão para casa vem construindo uma perfumaria pessoal é a L’envie, que nessa seara também se vê mais próxima do universo da perfumaria de nicho. “Faz mais sentido estarmos posicionados mais próximos das marcas de nicho, porque é um estilo de trabalho mais parecido, onde se cria de dentro para fora, com um olhar mais para o processo criativo, na criação da fragrância em si e menos na matemática das vendas”, acredita Fabio Otaiano, fundador da empresa. O empresário entende que é possível para uma marca brasileira construir uma fragrância de muita qualidade – uma fragrância que é cara, mas que vai custar uma fração do preço de um Amouage (que no Brasil custa mais de R$ 2 mil), mas ter um padrão de qualidade muito parecida. “Vejo que o lugar das marcas brasileiras que querem se inserir na perfumaria de alto padrão é o nicho, pelo tipo de produto, pela história, por essa preocupação com os canais de venda... por mais que tenha essa diferença de preço entre as marcas locais e as importadas – e as pessoas conectam muito preço a qualidade no Brasil, por mais que se queira quebrar isso –, vejo que esse é o espaço onde queremos estar”, reforça Otaiano.

Já a marca Viking, especializada no público masculino, resolveu avançar na perfumaria de nicho por meio de um novo formato, o Viking Lab, uma proposta que na sua essência tem muito fit com esse universo, isso porque a proposta da nova divisão é a de colocar no mercado as fragrâncias que são fruto do processo de desenvolvimento criativo realizado para a marca principal. “Ao longo dos anos, desenvolvemos várias fragrâncias para projetos. Hoje, temos mais de 200 criações na casa e a discussão foi: como levar essas fragrâncias para o mercado, porque tínhamos criações incríveis, mas que não batiam com o briefing dos projetos. Aí pensamos em alta perfumaria, mas buscando meios de educar o consumidor local a navegar nos elementos que fazem essa alta perfumaria, como os ingredientes raros e exclusivos”, diz Leonardo Fioretti, fundador da Viking, que dessa forma espera não limitar a alta perfumaria da marca ao público mais tradicional e restrito que já consome a perfumaria de nicho. Ao mesmo tempo, é um mecanismo de teste para os futuros lançamentos da marca. “Lançamos um lote em edição limitada e se o consumidor aceitar o perfume, esse perfume pode ser lançado na linha principal.


A empresa de inteligência de mercado Circana faz a medição da distribuição seletiva nos principais mercados internacionais, inclusive no Brasil. Para estratificar os dados nas suas medições e análises da perfumaria de nicho – que considera além das marcas de nicho como Creed e Amouage; a perfumaria de alto luxo como Tom Ford e Jo Malone; além das próprias coleções “especiais” das marcas tradicionais como Armani Privée e Chanel Les Exclusifs –, a Circana leva em conta aspectos como a distribuição (normalmente as marcas de nicho estão presentes em menos de 5% das 1.700 portas medidas pela consultoria), posicionamento, comunicação e trabalho de PDV diferenciado em comparação à própria marca ou as demais. O preço médio também é considerado embora a consultoria entenda que esse seja um critério mais amplo, já que a classificação é global e são consideradas diferentes estratégias de preço por marca em cada mercado.

O mercado seletivo medido pela Circana compreende além do e-commerce, três principais canais de distribuição físicos: as lojas de departamento; as lojas especializadas, como a Sephora, que tem uma gama maior de marcas de maquiagem e skincare, além das fragrâncias; e as perfumarias seletivas regionais, como as ligadas a ABPS (Associação Brasileira de Perfumarias Seletivas), que tendem a ter um foco maior na venda de perfumes do que em outras categorias. Dentro desses três canais, Ana Weber, diretora de atendimento da Circana, entende que no caso das marcas de nicho, inclusive as brasileiras, as perfumarias seletivas oferecem um alto potencial para ser explorado. “Primeiro por já representgarem algo em torno de 20% a 25% das vendas de perfumes no mercado seletivo nacional e tradicionalmente têm atendimento mais especializado nesta categoria e nas marcas premium”, acredita a executiva. 

Mas ainda existem barreiras importantes a serem superadas até que possamos ter a perfumaria brasileira num lugar de destaque nas perfumarias seletivas. “Pensando de forma mais ampla, ainda acho que a indústria nacional terá bastante dificuldade nas perfumarias”, acredita Kim, da Opaque, que tem lojas no estado de São Paulo e duas na capital mineira. O principal desafio na visão do varejista reside no peso do investimento necessário para que as marcas possam ter alguma visibilidade nas lojas do canal. “Se não investir, a marca some no ponto de venda e não gira”, aponta Kim, para quem a indústria nacional ainda tem problemas para entender essa dinâmica de investimento não só de imediato, mas com um olhar para a construção de marca e negócios no médio e longo prazo. “Esse é o básico para as marcas nacionais competirem com os outros players”. 

Outro problema que serve como uma barreira é o fato de muitas marcas locais transferirem aos varejistas o peso de fazer o branding dentro dos PDVs. Aliás, esse é um problema histórico de má interpretação do papel das perfumarias seltivas, canal no qual muita gente quer entrar para construir uma imagem de marca de luxo, de premiunização e depois levar essa marca para fazer dinheiro em outros canais de maior volume. Poucas marcas se dispuseram a olhar para a construção de negócios dentro dos limites da própria distribuição seletiva, o que per se, também é um problema para as perfumarias seletivas.

Esse é um dos motivos pelos quais Igor Bacchi, presidente da BIM, uma distribuidora especializada na distribuição de cosméticos e de marcas seletivas para lojas de todo o Brasil, acredita que as marcas precisam, nesse primeiro momento, elas mesmas cuidarem da construção de suas marcas junto aos consumidores, o que passa não só por investimentos para explicar e vender o conceito da marca, mas também por ter um controle total sobre a distribuição e a presença nas lojas, para conseguir abrir esses espaços para a perfumaria brasileira, o que está longe de ser algo trivial. A BIM tem feito um trabalho para abrir esses espaços, no caso para a O.U.I., marca de perfumaria mais sofisticada do Grupo Boticário. Apesar do storytelling de marca de perfumaria de nicho francesa, o fato de estar em outros canais, em especial na venda direta, é um desafio adicional à origem brasileira dos produtos. “Existe culturalmente uma questão do importado, tem que ser importado para ser um bom perfume… e isso, antes de ser uma barreira para o consumidor, é uma barreira para esses lojistas e para as suas equipes”, avalia Bacchi. “Eu vejo espaço para as fragrâncias nacionais, mas um espaço que ainda precisa ser criado”, emenda Bacchi. 

No canal de perfumarias seletivas, redes com o porte e a estrutura da Opaque são raridade. O predomínio ainda é de perfumarias independentes, em especial quando se deixa as principais capitais do País. Os players independentes têm sido alvo de um trabalho de maior desenvolvimento e qualificação pelas próprias empresas que operam na distribuição seletiva. 

Para as marcas de perfumaria de nicho e alta perfumaria nacionais, disputar espaço nas lojas e na mente dos consumidores por um naco do mercado seletivo é uma tarefa inglória. A começar pelo volume de dinheiro que as grandes empresas do setor investem global e localmente na construção de imagem das suas marcas e na comunicação dos seus principais pilares e lançamentos, tanto quanto pela ocupação das gôndolas de perfumaria. “É preciso um investimento muito forte para criar conceito e criar esse espaço para perfumaria nacional no seletivo”, reconhece Bacchi. Marcas que já são sucesso de venda, como 1 Million, Good Girl, La Vie est Belle e J’Adoré, podem ser encontradas em meia dúzia de flankers ou mais, fora as variações de tamanhos e kits, tudo para manter suas franquias em movimento e ter sku’s diferentes, suficientes para preencher os espaços nas prateleiras, o que serve tanto para garantir a visibilidade da marca quanto para evitar abrir espaço para concorrentes velhos ou novos. 

Essa mesma disputa de foice não é vista no segmento de nicho. E esse é apenas um dos motivos que torna esse espaço mais propício para servir como porta de entrada para as marcas brasileiras no universo seletivo. Não que seja um caminho fácil. As prerrogativas para ter condições para poder jogar nesse campo são as mesmas, mas como essa é uma categoria nova e ainda em desenvolvimento no Brasil, pode ser um espaço menos hostil às marcas locais.

Um primeiro ponto que precisa ser levado em conta é que a perfumaria de nicho ou a alta perfumaria nacional não vai bater de frente no preço com a perfumaria internacional, mesmo com as marcas mais conhecidas e vendidas do canal. Isso, em tese, dá uma vantagem às marcas nacionais, no sentido de tentar atrair um público disposto a experimentar fragrâncias novas, para quem o peso de ostentar um perfume de grife é menos relevante do que ter uma fragrância diferente, nova, que possa o diferenciar nos ambientes nos quais ele se insere e de alguma forma fazer esse consumidor que gosta, estuda e se engaja com a categoria sentir-se que, no ambiente da perfumaria, ele está além das tendências que todos os outros seguem. “Esse pode ser um caminho, mas tem que ter uma proposta clara do DNA da marca brasileira. O que ela traz de distinção para brigar pelo espaço com outras marcas de nicho?”, questiona Kim. O fato de que muitas dessas marcas de nicho internacionais ainda têm um trabalho pouco relevante de desenvolvimento de branding, mesmo as mais relevantes, faz com que seja menos difícil para uma marca brasileira se construir nesse espaço. “Tirando uma marca mais consolidada como Creed, tudo é muito carente de envolvimento das marcas desse segmento com o PDV. Se uma marca local tiver uma proposta clara e um movimento próximo do nicho é mais fácil dela se inserir no espaço”, acredita Kim. 

Mas é claro que isso não vai acontecer sozinho. Qualquer marca com essa proposta mais nichada tem o desafio desse desenvolvimento para sobreviver, falar um pouco do que a marca traz e do seu diferencial para o ponto de venda. O posicionamento de preço das marcas nacionais, em geral, fica abaixo do preço das marcas internacionais mais vendidas e tradicionais do mercado. Em relação às marcas de nicho ou de alto luxo, cujos preços, mesmo os mais baixos, estão sempre acima dos R$ 1.000 (na maioria dos casos, bem acima), o preço de um perfume de nicho nacional costuma ser uma fração. Mas mesmo assim, é nesse campo, onde existe espaço para o perfume, o cheiro ser mais relevante que a marca. Aí, passa a valer mais a proposta da marca nacional do que o seu posicionamento de preço, mas é preciso ousar.


VENCER NO NICHO EXIGE CORAGEM CRIATIVA
Alinhar a estratégia de distribuição, a proposta de valor e os investimentos para a construção e a comunicação na distribuição seletiva é fundamental para que uma marca de perfumaria nacional tenha condições mínimas de entrar, evoluir e conseguir estabelecer um negócio sólido e sustentável nesse canal. Mas tudo isso só tem como dar certo se conceitual e olfativamente a marca entregar algo que realmente a distinga do mar de fragrâncias disponíveis hoje no mercado. E daí, é preciso um certo grau de coragem e ousadia para bancar o diferente. 

Larissa, da Amyi, questiona como é possível inovar se você só pode acertar, o que geralmente é o drive que norteia o desenvolvimento das grandes marcas, principalmente as multinacionais. Para a empreendedora, é preciso ter coragem para mudar a percepção do brasileiro de que o que é nacional não é bom. “Não vai ser fácil, mas existem caminhos. O que nós encontramos, primeiro, é o de investir em essência, em matéria-prima, não dá pra gente bater no peito e querer dizer que somos iguais ao internacional e não investir igual ao internacional. O produto tem que ser bom”, ressalta. “Perceber custo-benefício em skincare e maquiagem é muito fácil, mas em perfumaria não é... é muito subjetivo, e não adianta ter uma qualidade maravilhosa e copiar o importado”, alerta Larissa.

Uma das formas da L’envie manter a sua identidade olfativa é trabalhar com um mesmo duo de perfumistas, o casal Fanny Grau e Isaac Sinclair, da Symronstruir um espaço desejável para as marcas locais no varejo seletivo local, tal qual acontece nos principais mercados de perfumaria do mundo, onde as grifes locais são consideradas e valorizadas como players relevantes, ainda que o mercado vá ter uma pesada participação de marcas “estrangeiras” também. “Tem muita gente empreendendo nessa categoria de perfumaria. “Já temos muito isso nas categorias de cabelos e sou a favor de defender essa ideia com os clientes, de criar esse conceito de termos o ‘Brasil no Brasil’. Sou super a favor. Temos produtos de altíssima qualidade, mas não damos o valor para as coisas que são nossas”, lamenta Igor Bachi, da BIM. Ao mesmo tempo, o empresário lembra que, “sozinho, ninguém vai fazer nada”. Isso, segundo o empresário, pelos próprios custos envolvidos na operação, inclusive na capacitação das equipes nos pontos de venda, já que a rotatividade costuma ser muito alta. “Depois de três meses já tem gente diferente na loja e é preciso muito mais esforço (das marcas e dos atendentes) para vender um produto novo, de uma marca local, do que para vender um produto da Dior ou da Carolina Herrera”, emenda Bacchi, que defende um projeto conjunto das marcas locais, uma coordenação para fazer o lojista acreditar e trabalhar na construção de um corner único de perfumaria de nicho e luxo brasileira, o que seria mais efetivo em termos de vendas. “Mesmo com os perfumes árabes, quando se centraliza a exposição dos produtos na gôndola específica, eles tendem a ter muito mais sucesso. Acredito muito nisso”, reforça.

Embora não veja que estabelecer um espaço que centralizasse marcas de perfumaria nacional em um único ponto da loja como uma solução efetiva, Kim, da Opaque, acredita que ela é possível de ser executada em um contexto de estruturação de mercado e desenvolvimento de marcas a partir da ocupação de um espaço comum nas lojas. 

Para Marcel, da Tânia Bulhões, quando o consumidor enxerga que a perfumaria brasileira pode ser muito criativa e tem o seu valor, esse espaço (nas lojas) vai se criando automaticamente. Mas ele ainda não enxerga as marcas em estágio suficientemente avançado para ir juntas aos distribuidores e trabalhar por um corner de produto nacional. “Cada um tem a sua força e vai buscar o seu lugar ao sol.  Em algum momento, quando isso ganhar força, estaremos mais preparados para nos apresentarmos conjuntamente. Temos tido conversas com algumas marcas para formar esse movimento, seja via o Prêmio Atualidade Cosmética, seja falar com as casas (de fragrâncias), para elas também abrirem mais espaço para a construção de coisas mais interessantes em conjunto… ainda não atingimos esse grau de maturidade, mas no médio e longo prazo, isso vai acontecer”, acredita o diretor da Tânia Bulhões.


Se os árabes podem, porque nós não?
Um fato relevante que chama a atenção no mercado de perfumaria seletiva é que as marcas árabes ganharam um grande espaço, tanto no Brasil quanto no mundo no ano passado, e alguns fatores explicam isso, segundo Ana. Ingredientes especiais, como oud e amber, que fazem com que essas fragrâncias se posicionem como exclusivas é um deles. Outro fator determinante é a viralização nas redes sociais – no Tik Tok, quando você pesquisa por fragrâncias, a primeira coisa que aparece são “fragrâncias árabes”. Mais um ponto chave para que as marcas árabes sejam percebidas e ganhem espaço vem de embalagens exclusivas, que remetem ao luxo e à riqueza, trazendo acabamentos em dourado, que lembram o ouro e o lifestyle dos países árabes. Além disso tudo, Ana destaca, está a inspiração olfativa muito similar aos produtos de nicho, que entregam um posicionamento de qualidade a um preço acessível. “O perfume árabe funciona porque é do gosto do brasileiro, fragrâncias fortes, marcantes, frascos rebuscados, pesados… as pessoas não sabem nem falar o nome do perfume, mas várias vezes nas lojas o que eu ouço é que os consumidores chegam querendo conhecer um perfume árabe”, conta Bacchi, da BIM. 

Porém, segundo Ana, essas marcas ainda não são muito exploradas e comercializadas no canal tradicional. A executiva conta que essas fragrâncias chegam por revendedores ou distribuidores indiretos e acabam sendo comercializadas em canais alternativos, e esse efeito acontece tanto no Brasil quanto em outros países. “Do ponto de vista do varejo, há uma oportunidade para começar a trabalhar com essas fragrâncias, por outro lado, do ponto de vista das marcas de nicho nacionais, há um grande aprendizado de como se posicionar no mercado para se tornar relevante frente ao consumidor”, afirma.

Mas Kim, da Opaque, acha difícil para as marcas nacionais competirem com os árabes. E não que ele veja neste fenômeno algo muito sólido. “As marcas árabes não investem em nada. É preço, não tem marca e isso tende a se esgotar na minha opinião. Fomos mais reticentes com a onda árabe – que começou já tem uns dois anos. Entendemos que seria uma tendência e não vemos algo sólido para o médio e longo prazo, mas por questões práticas da realidade, iniciamos o trabalho com elas agora”, explica o varejista. 

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